quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Estudo sobre Assédio Moral



I CONGRESSO NACIONAL DE CONDIÇÕES DE TRABALHO

«Assédio Moral – trajectórias pessoais e práticas de intervenção»



Resumo da comunicação apresentada por Rui Moura, Célia Quintas, Dilar Costa e Luísa Ribeiro [1]

O estudo sobre o Assédio Moral no Trabalho foi realizado pela Universidade Autónoma de Lisboa e promovido pela Autoridade para as Condições de Trabalho com o objectivo de aprofundamento do tema em situações concretas de ocorrência, especialmente natureza, contextos, condições, estratégias, modalidades de agressão física, psicológica ou outra, características de agressores e agredidos e problemas de saúde resultantes.

OBJECTIVOS

Os principais objectivos específicos consistiam em identificar:

(a) os tipos do assédio moral no trabalho;
(b) o perfil das vítimas;
(c) o perfil dos agressores;
(d) os comportamentos dos agressores nos locais de trabalho e os comportamentos das vítimas;
(e) os contextos, as condições de ocorrência e a duração do assédio moral no trabalho;
(f) as estratégias usadas pelos agressores e pelas vítimas durante as ocorrências;
(g) os impactes no estado de saúde físico e psíquico da vítima;
(h) os progressos e obstáculos relativos à problemática do assédio moral no trabalho a partir da criação de legislação sobre a matéria;
(i) estratégias, processos e práticas de prevenção susceptíveis de diminuir a incidência do assédio moral;
(j) recomendações de programas e de alterações jurídicas sobre o assédio moral.

NOÇÃO E DIMENSÃO DO ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO

Na óptica de Hirigoyen (2002), o assédio moral no trabalho pode ser definido como qualquer comportamento abusivo que atente contra a dignidade ou a integridade psíquica e ou física de uma pessoa, cujas consequências fazem perigar o emprego ou as condições de trabalho envolventes.

A Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho (AESST) usa a expressão bullying para definir os comportamento repetidos e sem razoabilidade destinados a gerar riscos para a saúde e segurança dos empregados.

A Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho relata, no Relatório do 3.º Inquérito (2000), que, no universo da população trabalhadora da União Europeia em 2000 (159 milhões), 6% (9 milhões) de trabalhadores são vítimas de violência física e 18% (27 milhões) são alvo de violência verbal (incluindo assédio e discriminação).

LEGISLAÇÃO E TIPOLOGIAS DO ASSÉDIO MORAL

O Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, criou uma nova divisão dedicada exclusivamente à “proibição de assédio”, na qual abrigou o artigo 30.º que, sob a epígrafe “assédio”, dispunha o seguinte: “Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”.

O assédio vertical descendente (bossing) é o tipo mais comum e caracteriza-se pela circunstância de o assediador ser o superior hierárquico ou o empregador do assediado, associando práticas de abuso de poder.

O assédio moral vertical também pode ter o sentido ascendente, nos casos em que é o subordinado que actua como assediador do superior hierárquico, ou o trabalhador que actua como assediador do empregador.

Menos frequente, o assédio moral horizontal caracteriza-se pela inexistência de uma relação hierárquica entre o agente e a vítima (inexistência de subordinação).

O Código do Trabalho propõe, ainda, a possibilidade de o Assédio Moral ser praticado por indivíduos não integrados na estrutura organizacional (clientes, fornecedores, etc.).

CONCLUSÕES

O estudo mostrou a dificuldade de distinguir situações de assédio e situações conflituais que ocorrem nas organizações. Isso contribui para que as vítimas não reajam, nem no quadro das relações de trabalho, nem através dos mecanismos legais, resultando na ineficácia dos instrumentos legislativos, na impunidade dos agentes e na desprotecção das vítimas.

A temporalidade do fenómeno é outro problema, porque há situações em que o assédio não assume repetitividade, consumando-se num acto único e visível para todos, visando gerar um efeito de paralisia do colectivo. O fenónemo é intencional e praticado para fragilizar moral e psicologicamente o assediado, visando objectivos pessoais ou organizacionais.

A pressão, o stress, os objectivos e metas difíceis de atingir, as crises económicas e financeiras, as reestruturações empresariais, as novas tecnologias, a mudança radical nas formas de organização do trabalho e a utilização de novas técnicas de gestão de dominação (avaliação individual do desempenho, qualidade total como objectivo e não meta referencial, reestruturações com demissões e realocação de pessoal e terciarização/precarização de serviços), incrementaram atitudes e comportamentos intencionalmente conducentes ao assédio moral no trabalho, determinando a supressão de solidariedades e abrindo espaço ao autoritarismo.

Parece inequívoco que todos os relatos são conotados com situações de abuso de poder, e é inquestionável a associação das situações de violência e deterioração das relações aos estilos de liderança autocrática. Efectivamente, a cultura organizacional e o exercício da liderança afiguram-se decisivos. O exercício do poder sem balizas éticas e a falta de formação das chefias mostram-se fulcrais na facilitação do assédio moral, bem como a ausência de fiscalização, originada pela dificuldade de se identificar o fenómeno e de se obter testemunhas disponíveis.

As instituições de apoio à vítima apontam os custos e as consequências do assédio, sobretudo o clima de stress e de medo, que quebra os laços sociais, destrói a noção de equipa e gera desequilíbrios psicológicos graves com quebra de confiança, menor produtividade e problemas que podem levar à depressão e até mesmo ao suicídio.

Acresce que o assédio moral é protegido em certos departamentos de gestão de recursos humanos em tempo de reestruturações que forçam despedimentos, bem como se treina dirigentes, em diversas partes do mundo, para melhor dominar as potenciais vítimas.

Face a tais realidades, é fundamental que a empresa valorize o capital humano e reforce a auto-estima dos trabalhadores, protegendo-se do assédio moral. Tal perspectiva é essencial para se desenvolverem práticas envolvendo os stakeholders na procura de consensos e compromissos, que canalizem energias para projectos comuns. As novas empresas usam técnicas fundadas na transparência, responsabilidade e desenvolvimento ecossocioeconómico num quadro ético e de resgate do rosto humano da empresa.

Acresce, finalmente, que a AESST refere a crescente importância dos riscos psicossociais e a OIT reconhece que o assédio moral é um dos grandes temas emergentes no século XXI no que respeita a problemas de saúde no trabalho.

[1] Rui Moura (coordenador científico do estudo) é o Coordenador da ‘Linha de Investigação das Condições de Trabalho’ na Universidade Autónoma de Lisboa; Célia Quintas, Dilar Costa e Luísa Ribeiro são membros da ‘Linha de Investigação das Condições de Trabalho’.

Estudo sobre Stress Laboral



I CONGRESSO NACIONAL DE CONDIÇÕES DE TRABALHO

«Stress laboral – factores emergentes e medidas de prevenção»


Resumo da comunicação apresentada por Rui Moura, Artur Parreira, Célia Quintas, Dilar Costa e Luísa Ribeiro [1]

O estudo sobre Stress no Trabalho foi realizado pela Universidade Autónoma de Lisboa e promovido pela Autoridade para as Condições de Trabalho com o objectivo de aprofundar o fenómeno do stress no trabalho tal como se manifesta em situações concretas de trabalho, analisando-se a incidência, os custos e os factores contextuais de natureza organizacional indutores do fenómeno.

OBJECTIVOS

Os principais objectivos específicos consistiram em identificar:

(a) a prevalência de experiências de stress nas organizações de trabalho;
(b) a incidência de experiências de stress nos diversos grupos sócio-profissionais presentes nas organizações de trabalho;
(c) os stressores organizacionais, laborais e relacionais;
(d) os impactes individuais e organizacionais decorrentes do stress no trabalho;
(e) as modalidades de organização do trabalho redutoras do stress no trabalho;
(f) as práticas organizacionais de prevenção do stress no trabalho;
(g) estratégias, processos e práticas susceptíveis de diminuir a incidência do stress no trabalho;
(h) recomendações de programas para a diminuição do stress no trabalho.

NOÇÃO E DIMENSÃO DO STRESS NO TRABALHO

As primeiras definições de stress têm conotações com o conceito de strain, utilizado na física para designar o esforço e desgaste de materiais; na sua concepção biológica o stress é uma reacção mecânica, traduzindo o impacto dos agentes ambientais sobre um sistema que os sofre.

A dimensão sistémica do esforço de adaptação desenvolve-se em três fases (Selye, 1983): fase de alarme (sintomas); fase de resistência (processo de adaptação); fase da exaustão (reaparecimento de sintomas e diminuição de resposta). Esta concepção associa fenómenos de cariz somático, quer como componentes quer como sintomas.

Na União Europeia, o stress origina 60% das faltas ao emprego e custa anualmente 20.000 milhões de euros. Um estudo da Fundação Dublin revela que 29% a 30% dos trabalhadores europeus possuem stress com consequências negativas sobre o desempenho, e 40% revelou que tem dificuldade em conciliar a vida de trabalho e a vida pessoal.

O inquérito nacional de saúde (INSA, 2000) evidencia que os sintomas relacionáveis com o stress atingiam 28% dos europeus e 26% em Portugal. A crise actual aumentou a vulnerabilidade ao stress em 58% dos trabalhadores europeus; mas no Luxemburgo e Bélgica chegou-se a 64% e na China a 84%.

MODELO DE REGULAÇÃO DO STRESS

O modelo de diagnóstico e regulação do stress utilizado é um modelo sistémico, que se orienta pela totalidade do sistema envolvido, nos seus aspectos físicos e psicológicos, nos seus diversos processos e interfaces.

Neste contexto, o modelo incluiu variáveis demográficas como a idade, sexo, escolaridade, pertença a grupos, posição profissional; variáveis pessoais, representando as características da expressão e motivação do sujeito; variáveis contextuais, realçando as características do meio, favoráveis ou não, à regulação do stress.

CONCLUSÕES

Os ‘stressores’ externos ao local de trabalho mais significativos relacionam-se com as exigências dos clientes, os prazos curtos de entrega dos produtos e serviços e a situação de crise que ameaça as empresas e a manutenção dos empregos.

Internamente, os índices de stress são relativamente baixos e decorrem, em muitos casos, dos reflexos da envolvente e de formas de organização do trabalho obsoletas, permitindo, por isso, que se identifiquem os factores de stress mais relevantes num quadro empresarial estável.

A análise aos resultados nas dimensões observadas evidencia uma grande regularidade nas situações de stress alto ou baixo.

A dimensão requisitos de trabalho evidencia regularidade nas situações de stress acima da média, registando níveis de stress ‘significativo’ e ‘alto’ em nove casos entre dez.

Verifica-se que todas as empresas apresentam níveis de stress mais baixos nas dimensões apoio dos chefes e colegas e ambiente físico, havendo uma única excepção que acusa menos stress em ‘factores pessoais’.

Embora as regularidades encontradas sejam muito claras, algumas situações variam quando se consideram as análises por ‘sexo’, ‘habilitações literárias’ e ‘cargo/função’.

No que respeita ao sexo não existe diferença entre homens e mulheres, excepto na dimensão ‘apoio dos chefes e colegas’.

No que se relaciona às habilitações pode-se concluir que não há diferenças na dimensão discriminação de tarefas, mas que existem diferenças importantes nas restantes dimensões. Os indivíduos com ensino superior apresentam maior stress nos requisitos de trabalho e factores pessoais; os indivíduos com o 1º, 2º e 3º ciclos apresentam mais stress na autoridade decisória, condições de trabalho e apoio de chefes e colegas.

Os resultados indiciam que os indivíduos com melhores habilitações literárias são mais pressionados nas tarefas, quer em ritmo, volume de trabalho ou intensidade de concentração; saem mais tarde da empresa, levam trabalho para casa, têm menos tempo para a família e experimentam ‘sufoco de trabalho’.

Os indivíduos com menores habilitações literárias sentem mais stress relativamente às dimensões autoridade decisória, condições de trabalho e apoio de chefes e colegas.

Os inquiridos stressam mais quando têm tarefas de responsabilidade e de tomada de decisão, tendo dificuldade em tarefas mais exigentes e necessitadas de treino profissional. No que respeita a condições de trabalho, as pessoas com menos habilitações sentem-se mais expostas a riscos profissionais, mais limitadas na gestão do trabalho, menos favorecidas na carreira.

As intervenções para mitigar o stress devem incidir externamente sobre exigência dos clientes, prazos curtos de entrega, reflexos da crise internacional e atraso de pagamentos; internamente deve-se melhorar a capacidade de liderança, a participação dos empregados na tomada de decisão, os conhecimentos, habilidades e novas aprendizagens e, paralelamente, superar tarefas repetitivas e horários rígidos que sublinham a incapacidade de modernização do trabalho.

Finalmente, o Relatório da OIT (2010) considera o stress afecta todas as profissões à escala mundial e constitui fonte de 50 a 60% de perda de dias de trabalho, enquanto o Observatório Europeu dos Riscos assegura que o stress ocupacional vai ser, dentro de dez anos, a principal origem de doenças laborais, destronando as doenças músculo-esqueléticas.

[1] Rui Moura (coordenador científico do estudo) é o Coordenador da ‘Linha de Investigação das Condições de Trabalho’ na Universidade Autónoma de Lisboa; Artur Parreira, Célia Quintas, Dilar Costa e Luísa Ribeiro são membros da ‘Linha de Investigação das Condições de Trabalho’.